O Congresso aprovou em 2023 projeto que altera as regras dos tributos sobre o consumo; implementação total deve ser feita até 2033

23/09/2024

Da esquerda para direita: o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-PI); o presidente do Senado e do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG); e o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Da esquerda para direita: o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-PI); o presidente do Senado e do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG); e o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Os 3 estavam juntos durante promulgação do texto que altera os tributos sobre o consumo, em 20 de dezembro de 2023 – Foto: Pedro Gontijo/Senado Federal – 20/12/2023

Por Redação

O Congresso promulgou em 20 de dezembro de 2023 a emenda à Constituição (nº132/2023) que institui o novo sistema tributário sobre o consumo. O tema foi discutido por décadas. É considerado um avanço institucional em busca de maior simplificação em relação ao atual modelo.  

Mas haverá implicações para diversas empresas e setores até a sua implementação plena, como, por exemplo: 

1. Por que fazer uma reforma?

O modelo atual é muito complexo e mescla cumulativo com não cumulativo (penalizando setores com maiores cadeias de produção). A tributação é baseada na origem e parte no destino (onerando investimentos e exportações). 

Há ainda uma “guerra fiscal” entre estados e municípios, que buscam dar incentivos para empresas se instalarem em suas regiões. 

O sistema atual inclui múltiplas alíquotas – aumentando a litigiosidade e redução da transparência. 

2. O que é o IVA?

A reforma define que 5 tributos serão substituídos pelo IVA (Imposto sobre Valor Agregado) dual — sendo 1 gerenciado pela União, e outro com gestão compartilhada entre estados e municípios. São eles: 

▶️ CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços): com gestão federal, unificará o PIS (Programa de Integração Social), a Cofins (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social) e parcialmente o IPI (Imposto sobre produtos industrializados); 

▶️ IBS (Imposto sobre Bens e Serviços): com gestão compartilhada estados e municípios, unificará o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços), estadual; e o ISS (Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza), municipal. 

3. Quando entra em vigor?

Entra em vigor já em 2026. E a transição vai até 2033.

O governo e o Congresso estão fazendo os ajustes das regras neste ano por meio de 2 projetos de lei complementar: 

  1. projeto: trata da Lei Geral do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), da CBS (Contribuição Social sobre Bens e Serviços) e do IS (Imposto Seletivo), por meio do o PLP 68/2024; 
  2. projeto: trata da atuação do Comitê Gestor do IBS e da distribuição das receitas do IBS entre os entes federativos, por meio do  PLP 108/2024. 
4. Fases de transição

O IVA é um modelo usado em mais de 100 países. Será implementado no Brasil até 2033. Haverá um longo período de transição. E as empresas terão que se preparar para conviver com 2 sistemas. 

O período de transição começa em 2026, quando o IBS e a CBS serão cobrados simultaneamente com os tributos atuais (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS), porém com alíquotas reduzidas. A implementação deve durar 7 anos, até 2032. 

Leia os prazos:  

A “Calculadora da Reforma Tributária”, desenvolvida pelo time de profissionais da ROIT, indica que as combinações de regras atualmente em tramitação vão resultar na existência de até 22,5 milhões de novos cenários possíveis,  mesmo em 2033. De 2026 a 2032, durante a transição com 2 sistemas simultâneos, o Brasil terá 1,6 bilhão de cenários tributários.

A complexidade do modelo irá exigir das empresas uma preparação de caixa para capital de giro, revisão de preços de compra, preços de venda, margem, processos de gestão, atualização do ERP (Enterprise Resource Planning, ou Sistema Integrado de Gestão Empresarial), revisão de logística com centros de distribuição e outros. 

“O cerne da questão está definido na Constituição. Não fazer nada com isso é perder o timing da estratégia” disse Caroline Souza, CFO (Chief Financial Officer) da ROIT. Segundo ela, muitos negócios já estão se preparando.

Se sua empresa não se preparar, há grandes chances dela ficar menos competitiva, na medida em que o contrato não está revisado e preparado para a reforma, por exemplo; na medida em que os times não estão em sinergia com o tema reforma, as pessoas terão maior dificuldade para operacionalizar as novas estratégias”

Entenda o cronograma de transição da reforma - Portal da Reforma Tributária
5. Split Payment

O split payment refere-se a um mecanismo de pagamento dividido no qual o valor pago por um comprador é automaticamente dividido entre o vendedor e as autoridades fiscais no momento da transação. Esse sistema é utilizado para garantir que a parcela correspondente aos impostos seja diretamente destinada ao governo, reduzindo a possibilidade de sonegação fiscal e melhorando a eficiência da arrecadação tributária.

Significa que o tributo pode ser pago no momento de comprar algo via Pix, cartão de crédito, TED ou boleto. O mecanismo não funciona, basicamente, via pagamento em dinheiro ou cheque.

O fornecedor, emissor da nota fiscal, terá como obrigação incluir no documento fiscal eletrônico informações que permitam tanto a vinculação das operações com a transação de pagamento.

6. Alíquota do IVA

O Executivo previa inicialmente uma alíquota padrão de 26,5%, podendo variar de 25,7% a 27,3%, considerando o uso do Split Payment – sistema que permite o recolhimento dos tributos no momento da liquidação financeira. Sem o mecanismo: 29,5%. 

Nos cálculos iniciais do Ministério da Fazenda a alíquota padrão de 26,5% era composta pela soma de 8,8% do CBS e 17,7% do IBS. O objetivo: manter a carga tributária atual como proporção do PIB (Produto Interno Bruto).  

O valor final dessa alíquota será influenciado por uma série de fatores. Por exemplo, a inclusão das proteínas de origem vegetal na cesta básica e, portanto, isentas de imposto.  

Com as mudanças feitas pela Câmara, a alíquota de referência salta para 28%. Com isso, cria o maior IVA do mundo, empatado com a Hungria e logo acima da Dinamarca e da Noruega.  

Segundo a Calculadora da ROIT, a CBS e o IBS podem resultar em uma alíquota padrão de 30,3% (isso sem contar as mudanças que devem ser feitas no Congresso durante a fase de regulamentação).

BRASIL PODE TER UM DOS MAIORES IVA DO MUNDO PORTAL DA REFORMA TRIBUTARIA

A alíquota da CBS poderá ser fixada em lei ordinária específica a ser apresentada pelo governo ao Congresso. Esse tipo de legislação precisa de maioria simples, ou seja, a maioria dos votos dos congressistas presentes à sessão. 

Já a alíquota do IBS deverá ser definida por estados e municípios.  Caso não haja definição pelos entes, caberá ao Senado a definição.  

Serão 4 níveis de alíquotas do IVA: a padrão, a intermediária (70% da padrão), a reduzida (40% da padrão) e zero. 

7. Alíquotas futuras

De 2029 a 2077, cada estado poderá definir sua alíquota própria por lei específica, desde que acima da alíquota de referência. Ou seja, os percentuais padrões que estão sendo discutidos são as alíquotas mínimas, e não as máximas que podem chegar.

A alíquota estabelecida pelo estado ou município será uniforme para todas as transações envolvendo bens materiais ou imateriais, incluindo direitos, ou serviços, exceto nos casos previstos na Constituição. O valor a ser cobrado será a soma das alíquotas do estado e do município de destino da operação. 

Essas alíquotas distintas para IBS e CBS poderão ter novas referências para cada um dos 5.569 municípios, além das 27 unidades da Federação. Resultado: 22.277 alíquotas possíveis, nas contas da ROIT.

8. Não-cumulatividade 

A alíquota incidirá apenas sobre o valor adicionado em cada etapa da produção. Exemplo: o tributo pago sobre o algodão será abatido do imposto recolhido pelo fabricante de cortinas. O valor do imposto sobre insumos será deduzido para evitar que seja tributado mais de uma vez. 

Na prática, isso exigirá um controle maior do fluxo de produção por parte das companhias para não desperdiçarem créditos e perderem competitividade.  

A expectativa do governo é que se reduza o chamado “hiato de conformidade”, que reflete a sonegação, a elisão, a inadimplência e os litígios nos recolhimentos tributários. 

A regra poderá se aplicar até em empresas do Simples Nacional que optarem pelo regime regular de IVA, para fornecer créditos à cadeia de compradores. Importante para empresas do Simples inseridas no mercado B2B (fornecem de empresas para empresas), por conta da competitividade. Estas empresas precisarão de maior atenção com documentação, contabilidade e governança.

9. Tributação no destino

O atual sistema funciona com a aplicação do tributo onde o serviço ou produto é originado. No entanto, o novo sistema desloca essa tributação para o local de consumo, em tese, evitando a disputa entre estados e municípios para atrair empresas – a chamada “guerra fiscal”. 

10. Imposto seletivo

Haverá ainda um Imposto Seletivo que incidirá a partir de 2027 sobre os produtos considerados maléficos à saúde e ao meio ambiente, como cigarros, bebidas alcoólicas e veículos, entre outros. O tributo é chamado pejorativamente pela mídia de “imposto de pecado”. 

Ou seja, será um período com muitas mudanças regulatórias a depender da cada decisão política. 

11. Desoneração de bens de capital

A desoneração da compra de bens de capital pelos contribuintes pode ser realizada de três formas: 

As empresas poderão dar foco na estratégia de prever compra de ativo, bens de capital, em 2026 ou 2027, em qual ano é melhor para o orçamento e para a eficiência de caixa da empresa –apontam dados da Calculadora da Reforma, da ROIT, que auxilia nessa análise.

12. Trava para evitar aumento do IVA

O texto contém um mecanismo que visa evitar a perda de arrecadação nos primeiros anos da reforma tributária. Esse dispositivo também atuará como uma “trava” para impedir o aumento “excessivo” global das cobranças. 

A regra considerará a média de arrecadação dos impostos que serão extintos, bem como o PIB (Produto Interno Bruto). Em caso de necessidade, um “gatilho” poderá ser ativado para forçar a redução das cobranças. 

O TCU (Tribunal de Contas da União) será responsável pela fiscalização e pelos cálculos das chamadas alíquotas de referência. 

Na prática, muitos setores terão redução dos impostos em relação ao patamar pago atualmente. E outros segmentos terão aumento brutal da carga tributária se não houver um planejamento financeiro para se adequar da forma ao novo sistema. 

13. Setores com redução do IVA

A PEC definiu o corte de 60% de tributos para 13 setores. Significa que a alíquota a ser cobrada será equivalente a 40% do IVA Dual. 

Os segmentos contemplados foram: 

14. Profissionais liberais

A reforma trouxe vantagens para profissionais liberais, que contarão com redução de 30% das alíquotas de IBS e CBS. Mas apenas em relação aos serviços prestados de natureza profissional, científica, literária ou artística, que sejam submetidos a fiscalização por conselho profissional. A Lei Complementar ainda definirá quais operações terão o benefício. A diferenciação é válida para 18 profissionais: 

15. Agronegócio

Conheça os pontos mais importantes para o agro:

16. Zona Franca de Manaus

A ZFM (Zona Franca de Manaus) continuará com um tratamento tributário especial até 2073. Os produtos da região são isentos de IPI atualmente.

Com a reforma, o IPI continuará a incidir sobre as mercadorias similares às produzidas no Polo Industrial de Manaus.

17. Divisão do Comitê Gestor

Será criado um Comitê Gestor para administrar o IBS. 

Os Estados, o Distrito Federal e os municípios terão representantes no colegiado. Eles serão definidos por lei complementar, que está em debate na Câmara. 

Haverá distribuição igualitária, com 27 representantes dos Estados e DF e 27 dos municípios. Entre as cidades, 14 representantes serão escolhidos pela maioria absoluta dos votos de cada cidade e 13 pelos votos ponderados pelas populações. 

As decisões no Comitê Gestor só serão aprovadas com os votos conjuntos dos Estados, DF e municípios. O presidente do colegiado precisará ter “notórios conhecimentos de administração tributária”. Ele não precisará ser aprovado pelo Senado, mas poderá ser convocado pelo Congresso. 

Cada ente da Federação estabelecerá uma alíquota própria do IBS por lei específica. 

18. Fundo para estados e municípios

Será criado um fundo de desenvolvimento regional para reduzir desigualdades no país e estimular a manutenção de empreendimentos nas regiões menos desenvolvidas.  

A União fará a partir de 2029 aportes. O 1º será de R$ 8 bilhões. Em 2043, os valores devem bater R$ 60 bilhões. 

A distribuição do dinheiro irá considerar a divisão do FPE (Fundo de Participação dos Estados) e população do estado. 

19. Fundo para empresas e pessoas

O projeto cria um fundo para compensar pessoas físicas e empresas que perderam benefícios fiscais concedidos até 31 de maio de 2024 e garantidos até 2032. O valor total repassado pela União deve atingir R$ 160 bilhões.

A EC 132 também determina que a União compensará, a partir de 2026, eventuais perdas de arrecadação com a criação do IVA nos estados e municípios. 

20. Templos religiosos

A Constituição mantém a proibição de cobrança de impostos para templos religiosos. Na reforma, esse benefício é estendido para organizações assistenciais e beneficentes mantidas pelas igrejas. Ou seja, a cobrança de tributos fica proibida para: 

21. Correios

Além das instituições religiosas, a reforma estabelece que os governos federal, estadual e municipal não poderão criar impostos sobre as atividades dos Correios e de autarquias e fundações mantidas pelo poder público. 

22. Cesta básica

O texto também estabelece a criação de uma cesta básica nacional de alimentos, que estará isenta da nova tributação. O tema está sendo discutido no projeto que está em regulamentação no Senado. 

A Câmara aprovou a seguinte lista:  

Outros produtos terão desconto de 60% sobre a alíquota dos futuros impostos. São eles: 

O projeto define que o governo federal poderá revisar as duas listas poderão a cada 5 anos. 

23. Cashback: devolução de impostos

Através deste mecanismo, o Poder Público devolverá parte do imposto pago por famílias de baixa renda em produtos essenciais, como a cesta básica ampliada, energia elétrica e botijão de gás. 

24. Tributação de heranças e patrimônio

A reforma mantém impostos sobre patrimônio, como IPVA e IPTU, e heranças, como o ITCMD, mas ajusta alguns pontos de sua incidência. 

Os deputados definiram que a alíquota do ITCMD será progressiva e estabelecida por lei complementar, com a taxa atual podendo chegar a 8%. 

Atualmente, cada estado tem regras próprias e devem respeitar o teto de 8% para a base de cálculo sobre grandes patrimônios. 

A proposta visa evitar manobras de herdeiros para pagar menos imposto, estabelecendo que a cobrança sobre o inventário ocorrerá no local de residência do falecido. 

Além disso, a medida permite a cobrança de imposto sobre heranças no exterior e isenta doações ou transmissões para instituições sem fins lucrativos com “relevância pública e social”. 

Por fim, a proposta aprovada possibilita que o IPVA incida sobre lanchas, jatinhos e iates. 


Fonte: https://reformatributaria.com.br/entenda-o-que-muda-com-a-reforma-tributaria/